Um ano no Sul, outro no Norte. São mais de 20 mil professores a contrato. Ontem, o Parlamento devia ter falado sobre eles e decidido. Não aconteceu. Ontem, às 18h, João Fava dos Santos, professor contratado há sete anos, estava a caminho de Vila Nova de Foz Côa, onde está agora a dar aulas. As 18 horas são a hora de voto na Assembleia da República, independentemente de estar esgotada ou não a ordem de trabalhos do dia. Por força desta disposição, ainda não foi ontem que os professores contratados ficaram a saber o que o Parlamento tem a propor sobre a sua situação.
A discussão chegou ao plenário por força de uma petição subscrita por 4300 pessoas na qual é solicitada a vinculação definitiva dos professores profissionalizados contratados com dez ou mais anos de serviço.O Ministério da Educação não tem números sobre os docentes nesta situação. O CDS fala em oito mil, o Bloco de Esquerda (BE) de quatro mil. No conjunto, com estes ou menos anos a contrato, haverá pelo menos 23 mil docentes que continuam sem lugar nos quadros, apesar de todos os anos serem chamados a suprir necessidades das escolas. Devido à petição dirigida à Assembleia da República, o BE e o PCP apresentaram dois projectos de lei com vista à integração de parte dos contratados. O PS e o CDS apresentaram projectos de recomendação ao Governo para abertura de um concurso extraordinário. É provável que sejam estes que venham a ser aprovados. Saber-se-á para a semana: a votação foi adiada porque à hora obrigatória de voto estes projectos ainda não tinham sido debatidos. Nada que surpreendesse Fava dos Santos. A caminho dos 48 anos, diz que já não espera do poder político um gesto que os reconheça enquanto pessoas com direitos. Engenheiro têxtil, com formação posterior em robótica, começou por ser assistente na universidade e só depois iniciou a sua vida como professor de Educação Tecnológica no 3.º ciclo do básico. Esteve colocado em Santo Tirso (dois anos), São Pedro da Cova (um ano), Mindelo (um ano), Beja (dois anos) e, agora, Vila Nova de Foz Côa. "Já nem sei a que terra pertenço", desabafa. Em São Pedro da Cova, desenvolveu quatro projectos que foram aprovados pelo Centro Ciência Viva, com um financiamento de 30 mil euros. Quando chegou a altura de os implementar foi colocado noutra escola. Sucedeu o mesmo em Beja, com um projecto de energias renováveis que foi seleccionado pelo Rock in Rio. Entretanto foi parar a Vila Nova de Foz Côa. Todos os anos, entre Abril e Maio, os contratados "concorrem às cegas". Ou seja, são obrigados a listar escolas sem saberem se nestas existem ou não vagas, uma vez que tal não é publicitado. Colocam as escolas que gostariam e depois começam a indicar concelhos, zonas pedagógicas. Põe-se lá "o país quase todo", diz Fava dos Santos. Os resultados são conhecidos no final de Agosto. "Temos dois dias para refazer uma vida", conta. No caso dele, duas vidas. A sua e a do filho, de 15 anos, que o tem acompanhado nesta deambulação. Cada mudança, uma nova escola, uma nova casa. Futuro? Fava dos Santos está céptico. "Provavelmente vou chegar à idade da reforma antes de conseguir entrar para o quadro. Serão mais 20 anos de indecisão, de instabilidade." O presente é já assim: "Não posso construir uma casa, não posso pensar em namorar [é divorciado]. Não tenho projecto de vida."
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